GUERRA, LÍDERES E SÍMBOLOS - RIO DE JANEIRO. CAPÍTULO 01
Trata-se da primeira parte da entrevista com DANIEL SOUZA, autor do livro “Guerra, Líderes e Símbolos. A História das Facções Criminosas e Milícias do Rio de Janeiro.", com o qual ele se propõe a narrar e explicar o nascimento, a expansão e a metamorfose das organizações criminosas no Rio, desde suas origens no cárcere até sua projeção nas comunidades e nos bastidores do poder político e econômico. Muito além de uma crônica da violência, a pesquisa entrega um panorama multidimensional, apresenta as gerações de criminosos, a formação simbólica e cultural dessas facções, os mecanismos de liderança, as alianças com o Estado e a mitologia que sustenta o poder paralelo nas favelas e presídios, buscando não apenas compreender as raízes do problema, mas também iluminar os caminhos possíveis para superá-lo.
Saiba mais!
- Ecko, Carlinhos Três Pontes e Faustão viveram e morreram na mesma comunidade, berço da maior milícia do Rio
- Liga da Justiça (milícia) – Wikipédia, a enciclopédia livre
- Karl Mannheim – Wikipédia, a enciclopédia livre
- Wilhelm Dilthey – Wikipédia, a enciclopédia livre
- Marcinho VP: verdades e posições: o direito penal do inimigo - Umanos Editora
- 400 contra 1 - O filme
- Livro citado - autor CARLOS AMORIM
- Comando Vermelho: a História do Crime Organizado - LIVRARIA PANORAMA ROMANCEIRO | Estante Virtual
- LIVRO - GUERRA, LÍDERES E SÍMBOLOS...
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Transcript
Honoráveis Ouvintes! Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião!
No conteúdo de hoje, vamos iniciar a abordagem em uma obra densa e reveladora sobre o fenômeno do crime organizado no Brasil, especialmente no contexto fluminense. O livro “Guerra, Líderes e Símbolos. A História das Facções e Milícias do Rio de Janeiro.” é resultado de anos de pesquisa, análise e cruzamento de dados condensados em mais de setecentas páginas de investigação rigorosa. Nesta obra monumental, o autor se propõe a narrar e explicar o nascimento, a expansão e a metamorfose das organizações criminosas no Rio, desde suas origens no cárcere até sua projeção nas comunidades e nos bastidores do poder político e econômico. Muito além de uma crônica da violência, a pesquisa entrega um panorama multidimensional, apresenta as gerações de criminosos, a formação simbólica e cultural dessas facções, os mecanismos de liderança, as alianças com o Estado e a mitologia que sustenta o poder paralelo nas favelas e presídios. Trata-se, então, de um estudo que conjuga história, sociologia, política e psicologia criminal, essencial para compreender as engrenagens da criminalidade organizada contemporânea. Com esse pano de fundo tenho a honra de receber o autor, Daniel Souza, para uma conversa que busca não apenas compreender as raízes do problema, mas também iluminar os caminhos possíveis para superá-lo.
Na satisfação de recebê-lo, Daniel, o saúdo com as boas-vindas, agradecendo a sua gentileza em aceitar o nosso convite para participar deste programa, compartilhando conosco tua vivência e conhecimentos. Adentrando, já, na origem e propósito da pesquisa, verifico que seu livro é fruto de um trabalho de fôlego, mais de setecentas páginas e anos de pesquisa! A partir dessa dimensão, o que o motivou a embarcar nessa jornada intelectual? Houve um gatilho, um fato, uma experiência ou uma lacuna no debate público que o fez perceber a necessidade de sistematizar a história das facções e milícias do Rio de Janeiro?
CONVIDADO:Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer o convite e dizer que é uma honra estar participando do programa! O senhor é uma referência na área da segurança pública, em especial na área da administração penitenciária. E, além disso, o senhor é uma pessoa que motiva a gente a continuar estudando e difundindo esses conhecimentos na área da segurança pública, com o programa e com o ânimo que sempre tem de tentar propor e difundir conhecimentos de qualidade dessa área.
E respondendo a primeira pergunta a respeito do que me motivou a embarcar nessa jornada, volto lá no ano de dois mil e treze, em dezembro, quando eu concluí o curso de inteligência para oficiais da PMERJ - eu sou Oficial da Polícia Militar - entrei em dois mil e dez, formado em dezembro de dois mil e doze, e em dezembro de dois mil e treze, a conclusão desse curso, que é um curso de especialização da minha instituição. Ocorre de quatro em quatro anos e ele é bastante reconhecido! É um curso de referência na corporação! Só que, nesse curso, a gente não teve a matéria que falasse da história das facções criminosas e das milícias. Então, eu senti essa necessidade de tentar aprofundar e tentar pesquisar mais sobre o tema. E quando eu fui começando a pesquisar, a ler livros, buscar documentos, buscar processos, eu fui vendo que não havia um conhecimento robusto a respeito da história dessas organizações. Não havia um material ou um livro que sistematizasse todos esses anos de história, que eram muitos! E com a minha experiência, após eu ser lotado na Agência Central de Inteligência da PM do Rio, a partir também de dezembro de dois mil e treze, do finalzinho, eu comecei a ter contato com pessoas, com policiais, oficiais e praças, que vivenciaram lá o crime na década de noventa, anos dois mil, vivenciaram bastante essa dinâmica e, além disso, essa agência - antes -Coordenadoria de Inteligência, hoje, Subsecretaria de Inteligência, é uma agência que foi estruturada lá em mil novecentos e setenta e seis! Então, ela tem um banco de dados bastante robusto, documentos antigos que o acesso em outras fontes desses conteúdos acabam sendo bastante difíceis! Então, eu tive o prazer e o privilégio de conseguir enxergar várias dinâmicas de como acontecia o crime. E, através de contatos com profissionais que tinham uma larga experiência, eu fui conseguindo aprender e ir juntando aos poucos esse conhecimento. E, a partir de dois mil e dezessete, eu comecei a montar de forma mais sistemática, de forma mais prática, essa linha do tempo, se é assim que a gente pode dizer. E, quando eu comecei a dar aula, eu fui ainda melhorando e aprimorando o conhecimento, fui trocando muita experiência, porque quando a gente dá aula - a gente ensina - a gente acaba aprendendo mais! E aí eu fui trocando experiências, entrevistando pessoas, trocando experiências nas aulas, após as aulas, antes das aulas. E isso foi robustecendo ainda mais o meu conhecimento. Então, a partir de dois mil e vinte, dois mil e vinte um, eu já tinha um material bem interessante! E ali, final de dois mil e vinte e dois, início de dois mil e vinte e três, eu comecei a escrever meu livro. Fiquei mais ou menos um ano escrevendo, mais alguns meses revisando e, finalmente, eu consegui uma obra que eu acredito que tenha, ao menos para mim, preenchido uma lacuna de conhecimento que na época eu achei bastante importante pesquisar!
ANFITRIÃO:Poucos atores se arriscam a documentar o universo criminal com tamanha profundidade. Como foi o processo de coleta e validação das informações que embasam sua obra?
Que tipos de fontes foram determinantes para reconstruir essa história e que obstáculos você enfrentou para garantir a fidedignidade do conteúdo?
CONVIDADO:Essa pergunta é muito interessante, principalmente, na questão da coleta e validação das informações! Basicamente, eu busquei muitos conhecimentos em obras reconhecidas e obras essas lidas quando eu ainda estava aprendendo sobre os temas que eu tive que revisitá-las, como por exemplo: o livro “Comando Vermelho -PCC e CV.” e “Assalto ao Poder” do Carlos Amorim, excelentes obras! Eu também busquei algumas obras, como “Quatrocentos contra um”, do William Professor, e o “Verdades e Posições. O Direito Penal do Inimigo”, do Marcinho VP, entre outras muitas obras, mas, eu pesquisei elas quando estava em estado de ignorância e revisitei quando já estava confirmando fontes de dados e confirmando informações nas quais eu busquei. Eu realizei entrevistas com muitos profissionais, acessei diversas dinâmicas e estruturas através de documentos de inteligência! Por mais que eu não tenha usado os conteúdos, eu consegui, através desses documentos, entender muita coisa como funcionava - com autorização do subsecretário de inteligência – logicamente! E acessei também processos judiciais. Então, essa coleta foi bastante rica ao longo dos anos. Além de reportagens! Já, de muitos anos, a gente tem jornalistas sérios e especializados que pesquisam e produzem conhecimentos jornalísticos bastante úteis e sérios! E, sem contar entrevistas com pessoas que tiveram contato com criminosos e com ex-criminosos. Então, foi uma coleta bastante rica! E isso tudo me ajudou a sistematizar o conhecimento. E aí, a validação desses conteúdos, eu fiz como uma espécie de validação por pares. Como é que funcionou esse processo: eu tinha informação, já tinha o conhecimento estruturado e eu sempre tentava confirmar com ao menos duas fontes essas informações.
Então, se eu tinha acesso a uma determinada dinâmica que acontecia, eu tentava ter ao menos duas fontes que confirmassem. Fontes sérias, o máximo fidedignos possível! E, além disso, eu tentava fazer essa validação por pares, com profissionais, principalmente da área de inteligência, que era a minha área, onde eu vivenciava o dia a dia ali, para eles tentarem acenar se aquele caminho era um caminho fidedigno ou não ou se era aquela direção que a dinâmica que eu descrevia ou a situação que eu estava explorando naquele momento era o caminho ou era mais próxima à realidade de fato. Eu busquei sempre fazer essa validação e ao longo do tempo eu fui produzindo esse conhecimento e conseguindo ter conteúdos os mais fiéis, o máximo que pudessem ser! E aí com esse rigor metodológico, e ao longo do tempo das pesquisas, entrevistas e aulas, eu fui mitigando, corrigindo, estruturando, e aí eu fui aparando várias arestas que só às vezes a pessoa que vivenciou aquele fato bem de perto! E a vantagem da gente aqui do Rio de Janeiro é que a polícia militar, ela vivencia ali o problema, o dia a dia, muito de perto! A gente tem uma capilaridade imensa e consegue acessar muita informação, muita gente que tem acesso àquela informação. E, pegando o gancho com esse raciocínio que eu desenvolvi e as principais e determinantes fontes que eu busquei foram as fontes humanas. Porque desde profissionais que ajudaram na validação dos dados até fontes de pessoas que vivenciaram aquilo que me ajudavam a confirmar aquela linha de raciocínio, aquela história, aquela informação. Porque, na minha concepção, a fonte humana, por mais que ela possa ter uma parcialidade e uma subjetividade relativa, porque acaba que isso influencia de alguma forma na interpretação do que está acontecendo, ainda assim, essas fontes humanas, elas têm um conhecimento aprofundado de quem vive o dia a dia. Então, para mim, são e foram as mais importantes da minha pesquisa! Na minha concepção, os principais obstáculos foram relativos a conhecimentos, ao que aconteceu na década de setenta e, sobretudo, oitenta. Se, setenta, a gente tem muita pouca coisa, mas, oitenta, onde toda a situação do crime organizado se estruturou e cresceu, a gente tem pouquíssimas informações! Onde eu senti muita falta, inclusive, no início das minhas pesquisas! E que eu acabei tendo muita dificuldade, mas com bastante perseverança e, graças a Deus, a gente conseguiu ter acesso a muita coisa, assim, muitas dinâmicas e até muitas questões, a gente foi conseguindo confirmar essas informações e a gente sabe que muita coisa se perdeu porque não era devidamente registrada, mas muitas outras questões foram registradas e a gente conseguiu ir montando um quebra-cabeça de difícil montagem! E a gente sabe, também, que nessa época tinha muita questão ideológica! Era um período de embate ideológico! Então, a gente sabe que muitas posições e muitas histórias eram parciais – até, equivocadas de uma certa maneira, porque eram enviesadas! Só que eu consegui ir montando devagarinho esse quebra-cabeça e, graças a Deus, consegui montar algo minimamente racional que ajudasse no processo de entendimento de como foi toda essa formação das organizações criminosas aqui no Rio de Janeiro. Do Comando Vermelho – antes, Falange Vermelha e Falange LSN, da Falange Jacaré, do Terceiro Comando. Acredito que eu tenha conseguido vencer muitos desses obstáculos. Apesar de haver lacunas ainda, e eu ainda vou repetir isso muitas vezes, o meu livro, a minha ideia, eu até externo isso no livro, é que outros pesquisadores consigam aprofundar ainda mais em determinados temas e a gente ir enriquecendo ainda mais o tema e o debate a respeito!
ANFITRIÃO:Um dos pontos mais originais do seu trabalho é a categorização das gerações de criminosos.
Ao explicar aos nossos ouvintes como essa periodização foi construída, podes indicar quais critérios históricos, comportamentais ou tecnológicos definem a transição de uma geração para outra dentro do universo das facções e milícias?
CONVIDADO:Essa pergunta acaba abarcando uma das principais bases da minha obra, que é a questão dessa divisão dos criminosos e das lideranças acabam abarcando aí essas gerações de criminosos. Eu consegui estruturar essa análise nas principais facções. Que, no caso do Comando Vermelho, do Terceiro Comando, e acabou havendo uma transição ali para o Terceiro Comando Puro, mas, havendo uma quase que continuidade dos Amigos dos Amigos, também! Não consegui estruturar isso na Falange do Jacaré, que eu exploro no livro, mas não consigo explorar muito porque temos poucos registros da Falange do Jacaré, também conhecida como Comando do Jacaré. E das milícias, principalmente, porque as milícias são extremamente descentralizadas em todos os aspectos! Então, eu não consegui fazer essa análise geracional das milícias. E essa ideia, ou essa análise, eu me embasei na teoria geral e um dos principais autores que fala desses estudos geracionais de maneira geral é o Wilhelm Dilthey. E ele fala, trabalha, com a questão, do que é uma geração, o que é um grupo de pessoas que partilham o mesmo conjunto de experiências, compartilhando conhecimentos, e acaba que esse conjunto de situações tem de ingerência no desenvolvimento de cada um, e isso acaba diferenciando distintas gerações. Só que eu peguei um gancho - e até explico melhor isso no livro - a ideia do sociólogo húngaro, o Karl Mannheim, que ele fala que uma geração é definida, sobretudo, pelo grupo no qual ela faz parte. E que acaba que o grupo e, logicamente, o local onde o indivíduo habita, vive e se desenvolve, acabam moldando a percepção de mundo do indivíduo. E aí, com isso, eu fui dividindo dentro de várias questões as gerações desses criminosos. E aí fui desenvolvendo a história desses grupos dentro de cada geração e como essas gerações acabaram influenciando o restante do grupo, as gerações de lideranças e como questões dentro e fora da organização foram moldando essas gerações e essas gerações foram moldando a organização e conduzindo a organização. Enfim, acredito que eu tenha conseguido dividir melhor as fases geracionais e os acontecimentos-chave, de acordo com essa divisão.
ANFITRIÃO:O Rio de Janeiro parece ter assistido, nas últimas décadas, à mutação de grupos armados em verdadeiras corporações criminais. Na sua análise, quais foram as mudanças mais significativas no perfil das facções e milícias, seja na estrutura de comando, nas estratégias de domínio territorial ou na forma de interação com a população?
CONVIDADO:Essa pergunta é bastante pertinente, principalmente quando a gente faz uma análise atual! Falar de territorialismo, domínio territorial, interação na população e essas mudanças, esse desenvolvimento ao longo do tempo, acaba sendo algo que apesar de ser uma análise histórica, é extremamente atual. Só a gente analisar os últimos acontecimentos e como essas facções têm atuado nos seus territórios e dominado grandes bairros e uma boa parcela da população brasileira. E a gente se atenta, aqui, ao Rio de Janeiro. A gente acaba tendo que primeiramente pontuar que, sobretudo até dois mil e dez, dois mil e doze, facções criminosas de tráfico de drogas e milícias eram grupos bem diferentes! Então, a gente precisa retroceder um pouquinho no tempo, porque no início dessas organizações, principalmente quando elas conviveram e guerrearam umas contra as outras, e aí eu me refiro a facções e milícias, elas, tirando o grande territorialismo que eles têm, mas as facções nasceram dos presídios, com exceção do TCP! Mas, o TCP acabou sendo um apêndice do Terceiro Comando que depois fagocitou ou incorporou muitos dos membros do Terceiro Comando. Mas, com exceção do Terceiro Comando Puro, que não nasceu dentro de presídio, as outras facções nasceram dentro de presídios e foram iniciadas uma ideia de explorar ou dominar um território para vender drogas e, lógico, que ao longo do tempo esse domínio territorial também foi se traduzindo em outras ações, em outras atividades para explorar tanto a população quanto o território, mas sendo algo bem pontual em algumas comunidades do Comando Vermelho, da ADA, do TCP. Então, ao longo dos anos, essas facções foram expandindo suas fronteiras para além do Rio de Janeiro e para além do Brasil. E sempre em busca de melhores ofertas de drogas, de armas, de outros produtos correlatos que possam ter relação como contrabando, enfim, relacionado a roubo - principalmente roubo de veículo - e exportação de veículos roubados para outros estados e países. Enfim, foram se expandindo ao longo do tempo. Já as milícias nasceram de fato fora dos presídios, com uma característica extremamente descentralizada. Então as milícias não formam um grupo gigante ou coesos chamado milícia e, sim, são grupos territoriais e regionais. Então, Essas organizações têm uma extrema dificuldade em se unificarem, porque cada local, cada bairro, ou até, dependendo do caso, cada comunidade tem as suas peculiaridades. Então, o comando descentralizado, as ações descentralizadas, fazem com que as milícias tenham se desenvolvido com uma pegada, uma estrutura um pouco diferente das facções. E logicamente que as milícias nasceram de membros do Estado envolvidos em atos de corrupção, sobretudo policiais, que viram uma oportunidade de ganhar dinheiro por meio da exploração da população do bairro, de transportes alternativos, principalmente vans, kombis, enfim! E o principal, que as milícias cresceram com o discurso de combate às facções de tráfico de drogas e os crimes correlatos relacionados a elas, como roubos, homicídios e por aí vai. Só que, tanto as milícias quanto as facções criminosas, elas são extremamente territorialistas. Então, naturalmente, elas entrariam em constante conflito, uma contra as outras. Principalmente o Comando Vermelho, que é a maior organização criminosa do Rio de Janeiro, e as distintas milícias. Em um período, houve uma intensa guerra com a Liga da Justiça, que depois virou “A Firma”, do Carlinhos Três Pontes, que depois virou Bonde do Eco, do irmão dele, após a morte do Carlinhos Três Pontes, depois virou Bonde do Zinho, enfim, a maior milícia, que até hoje é a maior milícia, talvez, divida ali um pouco com a milícia de Nova Iguaçu, mas a maior milícia disputou muitos territórios com o Comando Vermelho. E, logicamente, por terem características de uma grande estrutura bélica, forte armamento, complexos meios logísticos. E, assim, com o passar do tempo, essas organizações foram se tornando cada vez mais complexas e incorporando cada vez mais membros e incorporando também ações criminosas das outras organizações. As milícias tinham uma característica inicial de explorar o território e a população desse território, cobrando por serviços, por segurança, cestas básicas e gás. Enfim, e o tráfico também fazia uma exploração da população local, mas normalmente era um pouco menos ostensiva, então era mais ligada à questão de cestas básicas e alguns locais cobravam luz, água - mesmo que fossem furtados do Estado, a organização criminosa cobrava. Mas aí uma organização começou a fazer a atuação da outra. Então, hoje, a gente vê milícia vendendo droga e fazendo consórcio com facção criminosa! Principalmente aqui no Rio de Janeiro, a gente viu o TCP fazendo vários consórcios com milícias. E ao contrário também, a gente viu o Comando Vermelho, dependendo da comunidade, cobrando taxa de segurança, vendendo cesta básica, vendendo gás, cobrando taxa que a milícia sempre cobrou, que era em caso de compra e venda de terrenos ou casas dentro do território dominado. A milícia sempre cobrou e o tráfico - o Comando Vermelho, Terceiro Comando, ADA - muitas comunidades começaram a cobrar também! E aí acabou que as facções criminosas viram uma oportunidade de ganhar muito dinheiro explorando o território e as milícias viram a oportunidade de ampliar os seus negócios. Então, a gente vê que tem milícia que até roubo pratica contra a população, que era algo impensável no início das milícias, até pelo discurso que eles ostentavam para ter apoio da população e até do Estado! Mesmo que fosse um apoio velado ou um não combate, uma omissão, mas, ainda assim, eles não praticavam várias ações que hoje eles praticam. Então, atualmente, a gente até tem dificuldade de identificar, muitas das vezes, um grupo, às vezes, num período de conflito ali, de atrito. Fica difícil a gente saber se é um grupo ou uma organização de tráfico de drogas, uma facção criminosa, ou se é uma milícia que está dominando ali. Porque eles têm práticas muito parecidas, atualmente! E aí, as forças de segurança vivem nessa dificuldade! Então, o grande crescimento e a movimentação gigantesca de dinheiro, com uma grande dificuldade do Estado combater essas organizações, foi fazendo elas crescerem, recrutarem cada vez mais membros, trabalharem em várias linhas, tanto de irregularidades, de crimes, quanto de impunidade, enfim! Hoje, é algo bem complicado de a gente definir e apontar!
ANFITRIÃO:Honoráveis Ouvintes! Faremos uma estratégica parada neste momento. Que conversa potente até aqui! Ao revisitar a trajetória das organizações criminosas e compreender as transformações que marcaram suas diferentes gerações, começamos a enxergar que o fenômeno do crime organizado no Rio de Janeiro é, na verdade, um espelho das contradições do próprio Estado, das ausências históricas e das estratégias de sobrevivência nas margens da cidade. E é exatamente por isso que essa conversa com Daniel Souza precisa continuar! No próximo capítulo, avançaremos para temas ainda mais instigantes: a construção da liderança dentro das facções, o poder simbólico dos grafites e rituais, a relação entre o Estado e o crime, o papel das prisões e as novas configurações do poder paralelo. Se você chegou até aqui, não deixe de acompanhar a segunda parte desta entrevista, um mergulho profundo em um dos estudos mais abrangentes já feitos sobre as facções e milícias do Rio de Janeiro. Este foi mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! Acesse nosso website e saiba mais sobre este conteúdo! Inscreva-se e compartilhe nosso propósito! Será um prazer ter a sua colaboração! Pela sua audiência, muito obrigado e até a próxima!