Episode 150

full
Published on:

19th Sep 2025

O ENCARCERAMENTO FEMININO - DETALHES DE "A CELA QUE HABITO".

O conteúdo gira em torno do encarceramento feminino e percorre as vulnerabilidades e invisibilidades muitas vezes ignoradas enfrentadas pelas mulheres dentro do sistema penal brasileiro. A obra de Graziella Costa elucida a interseccionalidade de raça, gênero e status socioeconômico que impacta as taxas de encarceramento de mulheres em São Paulo e expõe a lacuna sistêmica de questões específicas de gênero dentro das prisões, agravando as condições das mulheres encarceradas, colocando em risco seu bem-estar físico e mental. Entender as experiências das mulheres na prisão exige uma reavaliação abrangente das políticas para garantir um sistema de justiça mais humano e equitativo que reconheça seus desafios únicos.

Saiba mais!



This podcast uses the following third-party services for analysis:

Podkite - https://podkite.com/privacy
Transcript
ANFITRIÃO:

Honoráveis Ouvintes! Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião!

No conteúdo de hoje, convido a audiência a atravessar comigo um território muitas vezes esquecido no debate sobre segurança pública e justiça criminal, o encarceramento feminino. Contemporaneamente, discutimos tanto a seletividade penal quanto as desigualdades estruturais do sistema prisional brasileiro.

No entanto, são escassas as abordagens sobre as especificidades, as vulnerabilidades e a invisibilidade das mulheres privadas de liberdade, mulheres que carregam nas costas não só as grades de ferro do cárcere, mas também as grades sociais do racismo, do sexismo e da pobreza. Para nos ajudar a compreender essas dimensões com profundidade, recebo hoje a policial penal e pesquisadora Graziella Fernanda Rodrigues Costa, que acaba de lançar o livro, de sua autoria, "A Cela que Habito" - O Encarceramento Feminino no Estado de São Paulo." Resultado de uma pesquisa densa e sensível, a obra é um impressionante retrato das dores, contradições e violências a que essas mulheres são submetidas, mas também das resistências e afetos que ainda florescem mesmo em condições tão adversas.

Será um diálogo necessário e provocador, afinal, entender o que se passa por trás das grades femininas é também repensar que tipo de sociedade estamos construindo fora delas.

Graziella; você inicia sua obra como uma inquietação pessoal e acadêmica sobre as prisões femininas. Podes compartilhar qual foi o ponto de partida dessa pesquisa, quais obstáculos encontrou para acessar os dados e vivência das mulheres presas e como esse processo transformou também o seu olhar sobre a questão penal?

CONVIDADA:

Olá! Meu nome é Graziella Fernanda Rodrigues Costa. Sou policial penal há vinte anos e, hoje, eu estou aqui para falar com vocês um pouquinho a respeito da minha obra, o meu livro chamado "A Cela que Habito - O Encarceramento Feminino no Estado de São Paulo."

O ponto de partida dessa pesquisa foi o anseio de que as pessoas pudessem conhecer o sistema prisional de hoje, diferente daquela imagem que as pessoas têm do passado. Estou mostrando os dados atuais, não somente o que consta em bibliografias mais antigas, que mostram o sistema prisional falido e sem condições e perspectivas. As boas práticas acontecem e elas não são vistas, porque nós não escrevemos sobre elas, sobre nós!

ANFITRIÃO:

Sua pesquisa evidencia que o encarceramento feminino no estado de São Paulo atinge majoritariamente mulheres negras, jovens, pobres e com baixa escolaridade. De que forma esse perfil revela a seletividade penal e a interseção entre racismo, sexismo e desigualdade social no sistema de justiça criminal brasileiro?

CONVIDADA:

O perfil das mulheres encarceradas, predominantemente negras, jovens, pobres e com baixa escolaridade, revela uma seletividade penal que não é aleatória, mas sim o fruto de um sistema que perpetua historicamente o racismo, o sexismo e a desigualdade social! Essa seletividade penal se manifesta na forma como a justiça criminal atua. Muitas delas são vítimas de repressão ao invés de prevenção e da inclusão social. Ainda, a intersecção entre racismo e sexismo torna-se evidente quando consideramos que essas mulheres não apenas enfrentam a discriminação racial, mas também a misoginia que as marginaliza ainda mais!

A baixa escolaridade e a condição socioeconômica precária dessas mulheres são fatores que limitam suas oportunidades e as tornam mais vulneráveis a situações de criminalização! Muitas delas são forçadas a entrar em atividades ilícitas como forma de sobrevivência, o que, por sua vez, alimenta o ciclo de encarceramento. Portanto, o perfil das mulheres encarceradas não é apenas uma estatística, ele representa a confluência de múltiplas formas de opressão que precisam ser urgentemente abordadas!

A obra busca trazer à luz essas questões e fomentar um debate sobre a necessidade de uma justiça mais equitativa e inclusiva, que considere as especificidades e as realidades das mulheres envolvidas no sistema penal.

ANFITRIÃO:

O sistema penitenciário foi historicamente estruturado para homens e ainda hoje ignora especificidades de gênero, tais como gravidez, maternidade e cuidados com os filhos. Quais as consequências concretas dessa invisibilização para a dignidade e a saúde física e mental das mulheres presas?

CONVIDADA:

A estrutura do sistema penitenciário, voltada predominantemente para homens, resulta em sérias consequências para as mulheres encarceradas, especialmente em relação às suas especificidades de gênero, como gravidez, maternidade e cuidados com os filhos. Essa invisibilização impacta diretamente a dignidade, a saúde física e mental dessas mulheres.

Esses fatores não apenas desumanizam as mulheres encarceradas, mas também reforçam a ideia de que suas experiências e necessidades são irrelevantes para o sistema, perpetuando um ciclo de opressão e sofrimento. Portanto, a invisibilização das especificidades de gênero no sistema penitenciário resulta em consequências graves que afetam a dignidade, a saúde física e mental dessas mulheres, exigindo uma reavaliação urgente das políticas e práticas que regem o encarceramento feminino! Assim, mostra a grande necessidade de boas práticas voltadas principalmente às mulheres privadas de liberdade, para minimizarem os impactos referentes ao encarceramento feminino.

ANFITRIÃO:

Um dos aspectos mais contundentes do seu livro é a análise das relações afetivas e familiares das mulheres privadas de liberdade, bem como o estigma que carregam mesmo após o cumprimento da pena. Como essas relações são afetadas pelo encarceramento e que tipo de suporte institucional existe ou não existe para mitigar esses danos?

CONVIDADA:

O encarceramento impacta profundamente as relações afetivas e familiares das mulheres, criando um ciclo de dor e estigmatização que persiste após a pena! Durante a prisão, muitas enfrentam a separação de seus filhos, o que prejudica os vínculos e gera sentimentos de culpa. Após a saída, o estigma social dificulta a reintegração e restabelecimento das relações saudáveis, levando à marginalização, especialmente em contextos de vulnerabilidade social. Portanto, é crucial desenvolver programas que mantenham os vínculos familiares durante a prisão, como visitas regulares e espaços adequados para interação, como iniciativas já existentes em São Paulo, visando assim esse resgate.

ANFITRIÃO:

Durante sua pesquisa, as histórias ou falas das mulheres entrevistadas, na sua visão, sintetizam e refletem a violência simbólica e institucional a que elas são submetidas?

CONVIDADA:

A pesquisa foi realizada através de dados quantitativos com levantamentos bibliográficos do perfil atual. No entanto, durante toda a minha trajetória profissional como policial penal por vinte anos, me fez acreditar que, apesar de qualquer tipo de violência, a mulher pode sim sair transformada do sistema prisional com novas perspectivas para o futuro!

ANFITRIÃO:

Em termos de políticas públicas, quais seriam, na sua avaliação, as ações mais urgentes para humanizar o tratamento das mulheres encarceradas e evitar que o cárcere continue sendo a única resposta do Estado para suas trajetórias de vulnerabilidade?

CONVIDADA:

Para humanizar o tratamento das mulheres encarceradas e evitar que o cárcere seja a única resposta do Estado para suas trajetórias e vulnerabilidade, é fundamental implementar uma série de ações nas políticas públicas, como alguma das que eu vou citar. Por exemplo: a despenalização e alternativas ao encarceramento; programas de acolhimento e suporte à maternidade; acesso à saúde integral; educação e capacitação profissional; apoio à reintegração social; formação de agentes e profissionais do sistema prisional, principalmente voltados ao cumprimento de penas humanizadas, escuta e participação das mulheres. Essas ações representam um passo fundamental para transformar o sistema penal em um espaço que priorize a dignidade e a recuperação das mulheres, em vez de perpetuar ciclos de violência e exclusão social! O objetivo deve não ser apenas a punição, mas também a promoção de uma justiça restaurativa que leve em conta as especificidades de gênero e as realidades sociais dessas mulheres.

ANFITRIÃO:

Você acredita que o debate sobre encarceramento feminino ainda é marginalizado mesmo entre pesquisadores, gestores públicos e operadores de direito? Que caminhos você enxerga para ampliar esse debate e provocar mudanças mais significativas na sociedade?

CONVIDADA:

Sim! O debate sobre encarceramento como um todo é marginalizado e estigmatizado! E no que tange à mulher, essa proporção aumenta mais! Mas, o que acredito e prego na minha pesquisa é que mais pessoas de dentro do sistema prisional devam quebrar essas barreiras e tabus e escrever sobre! Afinal de contas, os verdadeiros especialistas somos nós, os servidores do sistema prisional! Assim, poderemos sair do anonimato e, derrubando paradigmas, poderemos mostrar o trabalho excelente que é realizado dentro desse sistema!

ANFITRIÃO:

Graziella; agradeço imensamente sua participação nesta conversa tão rica, humana e, acima de tudo, necessária! Sua obra nos ajuda a ver com mais clareza os muros invisíveis que insistimos em não derrubar e reforça a importância de pensar políticas de justiça criminal com um olhar atento às desigualdades de gênero, raça e classe. Deixo este espaço para suas considerações finais. Fraterno abraço!

CONVIDADA:

Quem agradece o convite sou eu! Me sinto muito honrada de estar aqui! Espero que vocês aproveitem a leitura e que seja incentivo para mais obras como essa serem publicadas por nós, agentes do Sistema Prisional! Muito obrigada! Até mais! Um abraço!

ANFITRIÃO:

Honoráveis Ouvintes! Este foi mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! No episódio de hoje, conversei com Graziella Fernanda Costa, policial penal, autora do livro "A Cela que Habito - o encarceramento feminino no estado de São Paulo." Acesse o nosso website e saiba mais sobre os nossos conteúdos! Inscreva-se e compartilhe nosso propósito! Será um prazer ter a sua colaboração! Pela sua audiência, muito obrigado e até a próxima!

Show artwork for Hextramuros Podcast

About the Podcast

Hextramuros Podcast
Vozes conectando propósitos, valores e soluções.
Ambiente para narrativas, diálogos e entrevistas com operadores, pensadores e gestores de instituições de segurança pública, no intuito de estabelecer e/ou ampliar a conexão com os fornecedores de soluções, produtos e serviços direcionados à área.
Trata-se, também, de espaço em que este subscritor, lastreado na vivência profissional e experiência amealhada nas jornadas no serviço público, busca conduzir (re)encontros, promover ideias e construir cenários para a aproximação entre a academia, a indústria e as forças de segurança.

About your host

Profile picture for Washington Clark Santos

Washington Clark Santos

Produtor e Anfitrião.
Foi servidor público do estado de Minas Gerais entre 1984 e 1988, atuando como Soldado da Polícia Militar e Detetive da Polícia Civil.
Como Agente de Polícia Federal, foi lotado no Mato Grosso e em Minas Gerais, entre 1988 e 2005, ano em que tomou posse como Delegado de Polícia Federal, cargo no qual foi lotado em Mato Grosso - DELINST -, Distrito Federal - SEEC/ANP -, e MG.
Cedido ao Ministério da Justiça, foi Diretor da Penitenciária Federal de Campo Grande/MS, de 2009 a 2011, Coordenador Geral de Inteligência Penitenciária, do Sistema Penitenciário Federal, de 2011 a 2013.
Atuou como Coordenador Geral de Tecnologia da Informação da PF, entre 2013 e 2015, ano em que retornou para a Superintendência Regional em Minas Gerais, se aposentando em fevereiro de 2016. No mesmo ano, iniciou jornada na Subsecretaria de Segurança Prisional, na SEAP/MG, onde permaneceu até janeiro de 2019, ano em que assumiu a Diretoria de Inteligência Penitenciária do DEPEN/MJSP. De novembro de 2020 a setembro de 2022, cumpriu missão na Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, no Ministério da Economia e, posteriormente, no Ministério do Trabalho e Previdência.
A partir de janeiro de 2023, atua na iniciativa privada, como consultor e assessor empresarial, nos segmentos de Inteligência, Segurança Pública e Tecnologia.